quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Não pude deixar de reproduzir esse texto de Marta Medeiros

P U D I M
Marta Medeiros
Não há nada que me deixe mais frustrada do que pedir Pudim de sobremesa,
contar os minutos até ele chegar e aí ver o garçom colocar na minha frente
um pedacinho minúsculo do meu pudim preferido. Um só.
Quanto mais sofisticado o restaurante, menor a porção da sobremesa. Aí a
vontade que dá é de passar numa loja de conveniência,
comprar um pudim bem cremoso e saborear em casa com direito a repetir
quantas vezes a gente quiser, sem pensar em calorias, boas maneiras ou
moderação.
O PUDIM é só um exemplo do que tem sido nosso cotidiano.
A vida anda cheia de meias porções, de prazeres meia-boca, de aventuras pela
metade. A gente sai pra jantar, mas come pouco.
Vai à festa de casamento, mas resiste aos bombons. Conquista a chamada
liberdade sexual, mas tem que fingir que é difícil (a imensa maioria das
mulheres continua com pavor de ser rotulada de 'fácil').
Adora tomar um banho demorado, mas se contém pra não desperdiçar os recursos
do planeta.
Quer beijar aquele cara 20 anos mais novo, mas tem medo de fazer papel
ridículo.
Tem vontade de ficar em casa vendo um DVD, esparramada no sofá, mas se
obriga a ir malhar. E por aí vai.
Tantos deveres, tanta preocupação em 'acertar', tanto empenho em passar na
vida sem pegar recuperação... Aí a vida vai ficando sem tempero,
politicamente correta e existencialmente sem-graça, enquanto a gente vai
ficando melancolicamente sem tesão...
Às vezes dá vontade de fazer tudo 'errado'. Deixar de lado a régua,o
compasso,a bússola, a balança e os 10 mandamentos.
Ser ridícula, inadequada, incoerente e não estar nem aí pro que dizem e o
que pensam a nosso respeito. Recusar prazeres incompletos e meias porções.
Até Santo Agostinho, que foi santo, uma vez se rebelou e disse uma frase
mais ou menos assim: 'Deus, dai-me continência e castidade, mas não agora'..
Nós, que não aspiramos à santidade e estamos aqui de passagem, podemos
(devemos?) desejar vários pedaços de pudim, bombons de muitos sabores,
vários beijos bem dados, a água batendo sem pressa no corpo, o coração
saciado.
Um dia a gente cria juízo. Um dia. Não tem que ser agora.
Por isso, garçom, por favor, me traga: um pudim inteiro,um sofá pra eu ver
10 episódios do 'Law and Order', uma caixa de trufas bem macias e o Richard
Gere, nu, embrulhado pra presente. OK? Não necessariamente nessa ordem.
Depois a gente vê como é que faz pra consertar o estrago.
“Há noites que eu não posso dormir de remorso por tudo o que eu deixei de cometer.”
Mário Quintana

Nenhum comentário:

Postar um comentário