terça-feira, 23 de agosto de 2011

Mais uma escritora na família

Outra dia era uma menininha esperta, bonita, risonha, inteligente, simpática e rodeada de amiguinhas.
Hoje, depois de anos passados, a menininha cresceu, continuando bonita, esperta, risonha, inteligente, simpática, rodeada de amiguinhas...porém, para minha surpresa, despontou como uma sensível, romântica e poética escritora!
Estou falando de minha neta, Talita, que, atualmente, mora em Aspen.
Talita escreveu esse conto em 2008, quando tinha 19 anos. Reproduzo-o para que vocês, meus amigos desse blog, possam vibrar como essa avó vibrou!

Naquela hora sempre batia o sol. Um sol quente, com um vento seco, que traz em seu silêncio risada de crianças, suspiros de amantes abandonados e o barulho da nascente do rio. Era ali, na janela que tudo tinha começado, sob aquele ar que com um suspiro dado nutre sua alma e deixa a vontade de voar junto com a brisa.

Lavínia sempre foi uma criança meio diferente, quando era muito pequena observava na ponta dos pés pela janela, e via as outras crianças indo pra escola, via as folhas das árvores dançando ou sendo molhadas pela chuva. Via a vida acontecendo. E via também na tv desgraças, via novelas onde as pessoas sofriam e faziam coisas terríveis, via sua avó reclamando da novela e mesmo assim fazia bem parecido. Lavínia adorava observar. Olhava e se perguntava o que seria isso, o que motivava tudo. Um sorriso, uma lágrima, um toque, era tudo tão fascinante.

Na hora de dormir a lua em certa época do mês deitava a seu lado na cama, com uma luz que era gostosa, como se tivesse fazendo cafuné, e ela tinha certeza que ouvia fadinhas lhe dando boa noite na sua última respiração consciente. No colégio tirava notas boas por causa de seus pais e sua irmã que mandava ela estudar todos os dias antes de ver desenho e soltar pipa.

Ela era diferente porque seus olhos brilhavam de uma forma quase hipnotizante, e combinava com seu sorriso. O brilho vinha de dentro dela, era sua alma querendo fugir, escapar e viver um pouco da vida de todo mundo do mundo, ver como era sentir tudo que fosse possível na Terra. Sentir, viver, olhar.

Suas amigas e amigos faziam muito bem pra ela, quando todos davam risadas juntos, algo que vinha de dentro a confortava, e ela desejava muito forte que o momento se congelasse para ela poder olhar cada detalhe da felicidade que brotava do meio das pessoas, inclusive dela mesma.

Como poderia ser ? Parecia magia, magia da vida, da vida de dentro.

Adorava quando andava de bicicleta porque se sentia uma diretora de cinema que passava uma cena muito rápido, e enquanto passava por uma mãe andando de mão dada com seu filho pequeno e via que a mulher ia falar algo, ela já estava longe, e o que lhe restava era continuar a cena em sua cabeça: o que falaram, o calor do toque das mãos, o estado permanente da criança de aconchego e curiosidade, e da mãe pensando em seu amante ou de como deveria educar o filho.

Já um pouco mais velha algo que lhe fazia bem era ouvir conversas das pessoas do seu dia-a-dia, e fingia concordar ou discordar só para dar prosseguimento ao assunto. O que lhe dava prazer mesmo era ver como coisas que aprendera na escola que eram abstratas, eram mais do concretas. Sentimentos são tão palpáveis que dá para você sentir e fazer o outro sentir, ou convencer de que está sentindo também.

Porque não era esse o assunto da televisão? Porque não ao invés de se ensinar como contar dinheiro não ensinavam como olhar para dentro das pessoas? Como tudo é energia e sentimento, e como nos unimos com um toque?

Quando se apoiava na janela sentia também que o vento a puxava junto, e falava em seu ouvido que ela fazia parte daquilo tudo. Da mata, dos homens, dos prédios, das ruas, dos pássaros: de tudo de bom e de ruim. Era tudo feito da mesma coisa: vida.

Era um presente tanto quanto engraçado, como uma piada irônica liberada em um semi-riso de lado. Trocava de roupa e sua consciência estava lá fora, chegava de noite e suspirava dando boa noite aos seus companheiros de existência que ela não conhecia, mas sentia muito forte.

Um dia ela descobriu um perfume. Que delícia de cheiro, fazia formigas cocegarem por dentro de seus dedos, fazia ela sorrir soltando uma vergonha sem-vergonha que era muito confortante.

Todo dia que acordava agora, queria sentir o perfume que causava tantas sensações diferentes dentro dela, queria abraçar o perfume, mostrar pra ele a lua dando boa noite, queria mergulhar no mar e beber da cor que o por-do-sol colore a água salgada tão cheia de força.

Alguns dias depois, o perfume veio falar com Lavínia, e ela viu o brilho nos olhos que também hipnotizada, tão brilhoso que parecia que entrava dentro dela e conversavam sem palavras, se encontravam em outra realidade. Mas para quem via, falavam sobre casualidades: mal sabiam os olheiros que as melhores conversas entre eles eram com os olhos.

Os lábios falavam que não enquanto os brilhos já unidos pediam por mais. Ela já sentia uma leve vertigem depois de encontrar com o Perfume, achava que tudo no mundo fazia uma breve saudação falando que era apenas o começo e que aquilo existiria para ela sempre que quisesse.

Sentava na janela para fechar os olhos e participar também do vento, mandava sentimentos e pensamentos para quem mais quisesse escapar e dar uma volta na brisa, era tão bom. Quando chovia e tinha que fechar a janela, via as paredes murmurando músicas sobre dias tristes, mas sua explosão preenchia o quarto que as vezes parecia que a casa toda ia se desmontar. Uma felicidade eufórica inebriava enquanto tentava pegar no sono.

Um dia Ela e o Perfume fizeram uma coisa onde os dois ficaram flutuando em outra realidade, como se vivessem experiências de um tempo que ainda vai existir, voavam juntos e sem culpa: eram livres. Lavínia viu que dia e noite eram categorias inventadas pelo homem para quebrar o tédio, assim como a hora do almoço e da janta, a hora de dormir e acordar. De trabalhar e descansar.

Em algum tempo atrás determinaram que todos deveriam cumprir funções com laços nos olhos, se rastejando enquanto obedeciam. Mas eles dois não precisavam disso, tinham seus próprios anseios e vontades, não olhavam as horas mas sim as mudanças de sentimentos e as rugas no rosto.

Não precisavam também de papéis assinados para saber que seus seres se apaixonavam a cada segundo, e a cada segundo que passava ansiavam pelo próximo para poder de novo se apaixonar.

Isso acontecia como um ciclo, as vezes difícil de ver onde começava e terminava.

Mas um dia Lavínia percebeu que o Perfume estava ficando menos forte e tudo perdia a cor. Sentiu um desespero sufocante, tudo se tornou muito desbotado e sem movimento. O vento agora vinha beijar sua face com uma secura do deserto, onde o calor amassa esperanças, mas não amassa o suficiente para deixar que morram. Faz uma brincadeira onde a esperança acha que pode viver, e quando vê que não tem mais como, calorosamente é acordada, para então de novo ser consumida.

A angustia era amarga, até que o Perfume acabou.

Acabou também o brilho dos olhos de Lavinia, que se entregou a tudo que nunca entendeu. Cumpria funções, assistia tv, olhava as horas e ainda colocou uma cortina na janela.

O que sentia agora era etéreo, indefinível. Viveu assim uma época, até que um dia que tinha posto as cortinas para lavar, se encostou na janela para suspirar dor e angustia, e viu.

Aliás, sentiu com uma ultima faísca de vida colorida que restava nela (era uma parte ligada ‘as lembranças) um ser humano passando perto de sua janela, mas brilhava tanto que chegava a incomodar. E observou como a pessoa sorria e sentia, quase fazia parte do mundo que pulsava.

Isso remoeu muito tempo dentro dela, um tempo que passava de lá pra cá. Quando isso acabou, Lavínia acordou e arrancou as cortinas.

Viu de novo a beleza da vida, começou a viver o delírio do deleite novamente, e quando sentia saudades, se lembrava do cheiro do Perfume e ficava feliz por ter aprendido tanto com ele.

Ela começou então a ensinar a seus filhos como viver de verdade, sem procurar onde está escrito o que fazer, e sim escutar pra onde sua alma quer fugir. Depois de muitos anos de vida, ela aprendeu que a gente vive coisas boas para aprender lições, a vida leva para outro lugar o que pareceu que nunca ia embora, e só depois dá pra perceber que carregamos faíscas divinas e de tudo mais que existe dentro da gente, e fazemos com elas o que escolhemos.

Brilhar é uma opção nossa.

Um comentário:

  1. Nossa , estou encantada !!!!! parabéns para vcs que convivem com essa menina de sentimentos especiais e que nos surpreende por sua maturidade em relaçào à Vida .
    Para ela mil votos para que continue escutando os sentimentos , escrevendo-os par nosso deleite .
    Bjs mil para Talita e tb mãe e avó.

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